Oi, olá, hello, ciao!
Se a gente ainda não se conhece, prazer, Ana Possas! Te convido a ver mais no “sobre”. Se você já é de casa, bem, fique à vontade! 😉
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Há poucos dias na vida dos quais a gente consegue se lembrar em detalhes. O dia três de abril deste ano foi um deles.
Um dia em que acordei, peguei o celular e, depois de checar e-mail e Whatsapp, abri o Instagram. O primeiro post que apareceu foi o de uma amiga-influenciadora que conheci em Portugal.
No conteúdo, havia duas fotos: na primeira, ela mostrava seu semblante cansado após o nascimento de seu filho. Na segunda, o tamanho dos pés dela, bastante inchados, dias antes de ele nascer. Na legenda, algo assim: “Para vocês que dizem que meu filho fofinho faz o útero de vocês coçar. Pensem bem”.
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Era uma quarta-feira. Eu me recordo porque era dia do Mercato di Mercoledì, um mercado que acontece às quartas bem em frente ao prédio onde moro e onde costumo tomar café da manhã. Naquele dia, enquanto comia minha focaccia e bebia um americano, vi uma fila de crianças seguindo em direção à escola. Senti um arrepio.
Lembrei do post que havia lido. Eu já sentia que algo diferente estava acontecendo no meu corpo. Minha menstruação estava atrasada há dois dias e meus seios estavam enormes e doloridos. Balancei a cabeça como quem quer afastar os pensamentos e voltei para casa.
Abri o computador e fiz uma sessão de mentoria com uma das clientes que estava acompanhando naquele período. À medida que o fim do encontro se aproximava, se aproximavam também os pensamentos. O post, as crianças, meu corpo.
Fui ao banheiro e peguei um teste de gravidez antigo no armário. Segui as instruções e, depois de poucos minutos, vi um segundo risquinho clarinho aparecer ali. Fui para a sala e mostrei ao Mario: “me ajuda a entender isso aqui?”. Ele apenas perguntou: “Vamos comprar outro exame?”
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Outro exame, outra dupla de risquinhos. Poderia ser um engano? Estávamos tentando engravidar havia poucos meses, mas a confirmação veio com uma dose de incredulidade.
Em vez de uma celebração súbita, veio a lembrança daquela postagem, seguida de um breve choro de medo e de desespero pelo que estava por vir. “Por que eu fui abrir o Instagram?”, eu me perguntei.
Mas a alegria não tardou.
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Quatro, cinco, seis, sete de abril. Dias intensos, absorvendo aquele novo universo que se apresentava. Agendamento de consulta, compra de suplementos, download de aplicativos de acompanhamento. Revisão dos planos.
Oito de abril. Dia em que meu corpo começou a dizer: “não vai ser agora”.
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Foi um tempo curto demais para que a medicina considerasse uma gravidez legítima. Aliás, existe até um termo para isso: gravidez bioquímica. Nesse caso, o óvulo é fecundado e o corpo começa a produzir beta hCG — o hormônio que torna o teste positivo — mas, por algum motivo biológico, a implantação não acontece.
Descobri também que a incidência de gravidez bioquímica é de até 50% e que a maioria das mulheres, especialmente as que não estão tentando engravidar, nem percebe que ela ocorreu.
Ou seja, se eu não tivesse feito o exame, teria passado por um atraso menstrual mais prolongado. Mas eu fiz. E sofri muito com aquele sangramento.
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O tempo foi curto para a medicina, mas não para os algoritmos do Instagram, que passaram a me mostrar uma série de postagens sobre pessoas descobrindo suas gravidezes ou narrando perdas gestacionais sempre que eu caía na aba “pesquisar” sem querer.
Apesar de estar habituada aos mais variados tipos de conteúdo, dessa vez foi diferente. Sentir uma dor e acessar uma rede social que me expunha ainda mais a ela foi tão agressivo quanto a própria perda.
Não vi opções a não ser me afastar de tudo aquilo. Limitei meu tempo de acesso e, aos poucos, deixei o aplicativo de lado, o que foi essencial para que eu pudesse elaborar o luto de forma saudável.
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Embora mostrassem lados diferentes do tema “maternidade”, o post de três de abril e as postagens da aba “pesquisar” do Instagram tinham algo em comum: despertavam em mim pensamentos e sentimentos negativos. Em outras palavras, eram gatilhos* emocionais.
*Os gatilhos, no contexto da saúde mental, são eventos, situações ou circunstâncias que podem causar intenso desconforto emocional ou psicológico. Esse desconforto pode se manifestar como ansiedade, ataques de pânico, tristeza, desesperança ou padrões de pensamento negativo.
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Esse tema tem povoado minha mente há semanas, desde o dia em que vi uma outra influenciadora reclamar do story de uma terceira. Na tela em questão, essa terceira se gabava do fato de que eram apenas seis da manhã e ela já havia cumprido uma lista considerável de afazeres.
A influenciadora estava inconformada, dizendo que era meio-dia e ela tinha conseguido cumprir apenas uma tarefa de sua infindável lista. Também reforçou que posts desse tipo poderiam ser gatilhos, fazendo mães já sobrecarregadas sentirem-se ainda mais culpadas por não conseguirem dar conta do mínimo.
Poucos dias depois, a mesma influenciadora passou a semana fazendo stories de uma viagem em família, mostrando fotos belíssimas do hotel onde havia se hospedado, das refeições que tinha feito, da família feliz curtindo a viagem e dos looks bem planejados.
Tudo muito lindo, mas que me fez pensar: “será que isso também não está sendo um gatilho para alguém?” Pronto, o triplex estava alugado.
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A resposta é sim. Dependendo de quem está do outro lado da tela, qualquer coisa pode ser um gatilho.
Um post com os pés inchados de grávida pode ser um gatilho para quem está ingressando nesse universo; um post celebrando um teste de gravidez positivo pode ser um gatilho para quem acabou de sofrer um aborto epontâneo; um post sobre um aborto espontâneo pode ser um gatilho para quem lida com esse medo em uma gravidez (me desculpa se é o seu caso 😔).
Um post sobre produtividade pode ser um gatilho para uma pessoa que mal consegue sair da cama; um post de viagem pode ser um gatilho para quem não consegue tirar férias; um post com uma família feliz pode ser um gatilho para alguém que acabou de se separar.
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Todos nós, inevitavelmente, temos um ponto onde o calo aperta mais. E esse ponto vai mudar de acordo com as fases da nossa vida.
Eu amo a internet e as possibilidades de aprendizado, trabalho e construção de relações trazidas por ela. Mas não podemos negar que estar online e nas redes sociais é estar diante de grandes vitrines de superexposição incentivadas, sobretudo, pela soberania dos algoritmos. E sabe o que é pior? Falamos de vitrines nas quais mecanismos indutores de dependência são utilizados deliberadamente.
Não se trata só de querer evitar os gatilhos, mas de resistir ao impulso quase inconsciente de acessar as suas fontes. Isso quando o trabalho não torna esse acesso praticamente obrigatório, o que é o meu caso e o caso de muitas pessoas que sustentam suas vidas por meio da internet.
Há 30 anos — data do primeiro smartphone — começaram a nos dar um brinquedinho nas mãos e praticamente disseram: se virem. Sem qualquer letramento, manual de ética ou lista do que é ou não apropriado fazer nem de como se comportar.
Algumas políticas foram sendo criadas para mitigar certos tipos de conteúdo. No entanto, de forma geral, cada pessoa ainda age de acordo com os próprios valores e a gente é que lute para aprender a lidar com o que nos gera desconforto.

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Eu, particularmente, não faria um post público e nominal reclamando do conteúdo de alguém, pois entendo que tudo tem um outro lado e o que é desconfortável para mim pode não ser para muitas pessoas.
As fotos dos pés inchados pré-parto e do semblante cansado logo depois de parir podem ser um alento para as mães que rejeitam a romantização da maternidade. O story às seis da manhã pode servir de incentivo para que outras pessoas aproveitem melhor o dia. O hotel, as refeições e os looks de férias podem ser úteis para quem está planejando uma viagem.
Uma coisa é certa: quem cria conteúdo na internet, profissional ou não, está sujeito a ser bandido ou mocinho em algum momento e para quaisquer pessoas.
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Este seria o momento de concluir o texto com uma grande solução coletiva. Mas ainda bem que isso é uma newsletter e não uma redação do ENEM porque o que está ao nosso alcance imediato ainda é a ação individual.
O que faço, todos os dias, é observar como eu me sinto diante daquilo que vejo, leio ou ouço. Às vezes, quando o desconforto é grande e eu me vejo sem conseguir evitar as fontes de gatilho, eu apenas me pergunto: “por que estou fazendo isso a mim mesma?”. Na maior parte das vezes, isso é suficiente para que eu tome atitudes mais benéficas.
Como criadora, também costumo me perguntar: “isso o que estou publicando pode ferir alguém?”; “como eu gostaria que as pessoas se sentissem ao lerem o que eu escrevo ou ao verem uma imagem que eu posto?”. Algumas pessoas podem ver isso como medo de desagradar. Para mim, é um exercício de empatia.
Sei que não podemos nos responsabilizar pelo que as pessoas irão sentir, mas podemos nos responsabilizar pelas nossas intenções. No momento, é a única resposta que encontro.
🤔 Para pensar mais
🙋🏻♀️ Quem se lembra da Ana?
Se você estava no Facebook em 2013 talvez se lembre de um texto sobre a “Ana” e as razões pelas quais os jovens profissionais da geração Y já se sentiam infelizes. Com uma comparação geracional super didática, o conteúdo abordava a relação estabelecida pelos millennials com o trabalho. Tenho a sensação de que, de lá para cá, a coisa degringolou ainda mais e se espalhou para diversos aspectos da vida. Vale a (re)leitura!
🔏 “Camadas de privacidade: não se expor virou privilégio?”
Este episódio do podcast CAOSCAST aborda os dois lados da moeda. Ao mesmo tempo em que nos vemos cansados dessa lógica das redes, a necessidade de alimentar as nossas marcas pessoais e mostrar aquilo que estamos fazendo para o mundo nos impõe uma presença e uma reflexão constante sobre os limites entre público e privado.
💬 “Puxar as conversas que precisamos ter”
Eu já estava quase concluindo esta news quando ouvi o primeiro episódio do podcast da
, news que adoro e acompanho desde 2019. Trata-se de uma entrevista com Luiza Voll, uma das idealizadoras da , empresa de mídia que vem crescendo e se transformando com a própria internet.
Enquanto isso, na Pessoa Jurídica
🤓 Uma semana de eventos e imersões
Neste momento, estou em Lisboa, vivenciando uma experiência executiva intensiva organizada pela Lisbon Digital School. Na verdade, eu já viria para o Web Summit (conferência de tecnologia que também passou a ser realizada no Brasil). O convite para a imersão foi feito depois, pelo Tiago Belotte, um ex-cliente e um dos organizadores.
Amanhã, 16/11, estarei no Bora Mulheres, encontro de empreendedorismo feminino que todos os anos é realizado nesta época. É um tipo de evento afetivo, ao qual eu e minha amiga Lu Borba sempre combinamos de comparecer juntas.
Tomara que 15 dias não seja tempo demais para falar sobre eles aqui porque, olha, eu sempre fico assim 🤯 durante um bom tempo.
Em outras redes
Já nos conectamos pelo LinkedIn?
E pelo Instagram?
Mesmo em hiato, ainda te convido a ouvir o Ouvidorama, meu podcast. As conversas continuam atuais.
👋🏼 Até a próxima!
Primeiramente, sinto muita por sua perda! Parabéns pelo texto, ele reflete muito como me sinto em relação às redes. As vezes, bloqueio até pessoas próximas quando me sinto afetada pelos gatilhos de comparação... É realmente desafiadora essa nova era.
É interessante ver como as coisas não são boas nem ruins. Dizem que tudo em escassez ou abundância pode ser ruim para as nós.
Acho que demos muita importância às redes sociais e, embora elas sejam um bom instrumento, ainda são superficiais, como você mesmo disse, são um meio de criar e isso diz muito sobre o tipo de conteúdo que vemos.
É inevitável não se sentir afetado às vezes pelo que vemos, porque não é o que temos em nossa realidade e o fato de a internet ser tão acessível não ajuda nossa saúde mental.